Pesquisar

terça-feira, 15 de novembro de 2016

CARAVAGGIO EM ROMA

Michelangelo Merisi, da Caravaggio adotou o nome da terra no norte de Itália que o viu nascer em 1571. Cedo ficou órfão devido à peste bucólica que fez muitas vítimas. A sua personalidade revelar-se-ia no futuro com traços de agressividade e revolta fruto talvez de uma infância com carências afetivas e financeiras.
Com apenas 13 anos, foi enviado para estudar no atelier de Simoni Peterzano, que se dizia discípulo de Ticiano. Passou quatro anos a aprender o tratamento das cores segundo o método de Ticiano e o naturalismo da escola pictórica lombarda. Mas a sua rebeldia contra os convencionalismos da época começava a germinar.
Entre 1585 e 1592 deambulou nas regiões da Lombardia e Véneto onde assistiu ao nascimento das tendências barrocas mais especificamente o “tenebrismo” que é uma radicalização do princípio claro/escuro, do qual se tornaria o seu principal intérprete.

Roma iria ser para sempre a sua casa a partir do fim do século XVI, embora tivesse que se ausentar temporariamente devido à sua vida inquieta. Deambulou pelas ruas, esfarrapado, com mau aspeto e sem morada fixa. Encontrou trabalho como pintor de flores e frutos no atelier de Giuseppe Cesari, artista do papa Clemente VII.
Cesto de frutas, Caravaggio, 1596
Mas essa temática era muito redutora para a sua mente errante e para as suas pinceladas de génio. Queria pintar pessoas como as via na rua, com rugas, descalças, sujas. Não se importava se era aceite, gostava de ser verdadeiro. Resolve estabelecer-se por conta própria e enfrentar os altos e baixos da vida que escolheu.
Os seus modelos eram os seus companheiros de farra, que viviam como ele um quotidiano de luta pela sobrevivência. Nas suas pinturas aparece frequentemente um jovem, seu companheiro, que pinta com realismo e lhe serve de inspiração para vários quadros. Representa-o com ternura, a sorrir, com flores e frutos, a tocar música, a oferecer gentilmente um copo de vinho para alegrar a alma. Talvez fosse o seu raio de luz!
Rapaz com cesto de frutas,Caravaggio, 1593


Baco, Caravaggio, 1595

Tentou ser independente e pintar o que lhe apetecia, para sobreviver, mas teve que se vergar às exigências de quem lhe podia pagar bem. Resiste à temática religiosa, acaba por ceder, mas mantém o estilo e a sua interpretação do divino, como algo ligado à realidade humana. Talvez seja o aspeto mais apreciado atualmente, mas não o foi enquanto viveu, tendo que modificar quadros ou assistir à sua rejeição.
O cardeal Francesco Maria del Monte, apreciador do seu trabalho, acolhe-o no seu Palácio Madama, perto da Igreja de S. Luís dos Franceses. A sua rampa de lançamento para a temática religiosa foram as três pinturas da Capela Cantarelli desta Igreja.
Vocação de S. Mateus, Caravaggio, 1599-1600
A primeira obra pintada e para mim a mais expressiva é a Vocação de S. Mateus (1599-1600). O quadro é escuro e é apenas iluminado por uma luz do lado direito, onde está Jesus apontando para Mateus. Parece dizer: “Segue-me! “Mateus duvida se é para ele o chamamento. Os restantes personagens, trajados de acordo com a moda do século XVI, reagem de forma diferente. O mais novo inseguro apoia-se em Mateus, o da frente prepara-se para reagir, os outros estão preocupados com as moedas dos bens terrenos e não reparam, perderam a oportunidade de seguir Cristo. Esta pintura é um corte radical com o idealismo renascentista, sempre belo. Pretende ser real, a voz sente-se nas expressões faciais dos personagens, apanhados pela entrada repentina de Jesus e Pedro, vestidos de acordo com o tempo em que viveram.

Caravaggio arriscou, nunca ninguém tinha interpretado desta forma o sagrado, para uma igreja, certamente dividiu opiniões, o cardeal deve ter hesitado, mas mante-se até hoje para ser admirada e iluminada constantemente pelas moedas dos turistas.
Continuou a trabalhar em temas religiosos do Antigo e Novo Testamento de acordo com as solicitações do momento. Manteve sempre o seu estilo realista e teatral. 
Na minha opinião, este último aspeto comunicacional contribuiu para perpetuar a sua obra, para além das pinceladas geniais que olham, falam e sentem.
Judite e Holofeme, Caravaggio,1599
Esta cena é um exemplo concludente da mestria realista de Caravaggio. Ouvimos o grito do general, sentimos a apreensão da idosa e a crueldade fria da matadora. Nunca pode provocar indiferença. Diria que é uma fotografia, instantânea de quem consegue captar o momento exato.
A sua pintura projeta os seus conflitos pessoais, um debate entre a luz e a sombra, realçando o sentimentos das personagens, tornando evidentes as expressões faciais e a musculatura do movimento do corpo, iluminado de uma forma premeditada, mas controversa figuras religiosas a partir de modelos de mendigos e prostitutas.
Crucificação de S.Pedro,Caravaggio,1600

 Os seus anjos têm asas pretas!
Amor vincit omnia,excerto, Caravaggio, 1610
No século XXI, é realmente compreendido o seu génio e a sua criatividade artística, tornando-se um dos pintores que mais exposições ocasiona, sendo admirado por cada vez mais apreciadores da sua arte.
Não é caso único de artista que durante a vida enfrentou dificuldades, miséria, adotou comportamentos rejeitados socialmente, foi marginalizado e apreciado, para perder tudo e começar novamente, numa montanha russa paradoxalmente necessária à sua criatividade.

Foi encontrado morto sozinho, numa praia deserta aos 38 anos, em 1610, quando tentava reconciliar-se com a vida e continuar a pintar.


... a obra de BERNINI, foi longa como a sua vida, teve tempo...

Sem comentários:

Enviar um comentário